18 de agosto de 2009

“O mundo inteiro é um palco, / e todos os homens e todas as mulheres são apenas actores” (William Shakespeare, in “Ao Vosso Gosto”)

É surpreendente as voltas que o mundo dá. Quando menos esperamos, vaticínios que fizemos cá para os nossos botões quando éramos jovens se concretizam. Algo assim sucedeu-me estas últimas semanas com a (surpreendente?) candidatura de dois antigos amigos às eleições autárquicas Câmara Municipal de Monção. Um para Presidente da Câmara, outro para presidir a sua assembleia.

Curiosamente nenhum deles, apesar de eu os conhecer e se conhecerem pessoalmente, tivera uma relação muito próxima entre eles durante os nossos anos de adolescência. Diria que a minha relação com cada um foi mais convivida do que aquela que eles experimentaram em conjunto. No entanto foram ambos individualmente pessoas activas no seio dos grupos políticos e sociais a que pertenceram durante a sua juventude.

Ao Vasco conheço-o desde a mais terna infância. Embora nos separem uns três anos, a sua casa era contígua do local de trabalho dos meus pais e isso permitiu-nos estabelecer contacto desde então. Pessoa metódica e organizada, bom aluno desde sempre, curioso de conhecimento em geral e no que lhe interessava pessoalmente em particular. Com estes atributos, o normal é não ser muito bem recebido pelos colegas da mesma idade, mas isso foi algo que nunca o perturbou. Antes deu-lhe a capacidade individual de conseguir integrar-se no seio de qualquer grupo. Apesar das dificuldades soube analisar os interesses, preocupações, “modus operandi”, “modus faciendi” e “modus vivendi” dos seus pares e, assim, chegar ao nível daqueles que, a priori, seriam diferentes de si. Lembro de o ver interessado por música que, quem não o conhecesse, jamais o associaria a tais preferências melódicas. A sua capacidade de adaptação foi (penso que ainda é) notável. Foi, durante a juventude, presidente de um clube desportivo e cultural, ao qual também pertenci, demonstrando a sua aptidão e desembaraço nos meandros burocráticos e institucionais da época.

Com O Jorge a convivência foi mais tardia e também mais lúdica (se assim a podemos chamar). Apesar de o conhecer anteriormente, a nossa amizade tornou-se mais estreita na época da nossa juvenilidade, quando me convidou para trabalhar durante o verão na “Ecos da Raia” (para quem não sabe, era a nossa rádio local). Antes disso e como pessoa extremamente prática, rapidamente se destacou na associação de estudantes na sua época do Liceu. Recordo inclusive a sua intervenção, ainda nem chegada a sua adolescência, perante as câmaras de televisão durante uma manifestação realizada por estudantes em virtude do atropelamento, julgo, dum aluno frente ao estabelecimento de ensino. Vislumbrava-se, já então, a sua veia interventiva e o seu afã de protagonismo e liderança. Pessoa grata no seu círculo derivado da sua extroversão e boa disposição assim como pela sua dedicação em tudo aquilo em que estava envolvido, valeu-lhe constantes vitórias na associação de estudantes. Virtudes que lhe serviriam posteriormente no seu desempenho laboral e pessoal. Tal como eu, somente deu o devido valor aos estudos após anos de trabalho, diversão e vivências.

Dois amigos diferentes e um destino comum? Parece que sim. Curiosamente os seus percursos políticos foram em lados contrários, um no Partido Socialista, outro no PSD.

Recordo, ao escrever estas linhas, da primeira vitória de Cavaco Silva nas legislativas de 1985. O PSD local a festejar na praça “Deu-la-Deu” com o Vasco no cimo de um automóvel, com dezenas de autocolantes do partido grudados às suas calças, bandeira laranja em riste movimentada a esquerda e direita, gritando palavras de ordem e proferindo cânticos de ocasião. Esta imagem está em mim tão presente como a que, minutos depois, chegado à sede da nossa rádio local, lugar onde teria de fazer o fecho da emissão, encontrei o Jorge cabisbaixo e visivelmente abatido. Estava sentado frente à mesa de mistura que emitia a essa hora. Ao seu lado uma multiplicidade de discos cuidadosamente seleccionados para que todos pudessem ouvir as suas frustrações após semelhante derrota. Tenho presente a frase que me dirigiu:

- Nunca pensei que perdêssemos com tanta diferença!

Cada um fazia inconscientemente os seus ensaios e aprendia o seu papel político. Espero que durante estes anos a vida lhes tenha mostrado os caminhos do bem comum e não se tenham tentado pelos meandros da ânsia de poder e do “bonorum possessio”.

“Pacta clara, boni amici(Ajustes honestos, bons amigos).

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