A manhã seguinte acordou lenta, vagarosa no seu abrir de pálpebras grudadas pela preguiça e pelo sono morfético provocado pela narcolépsia da vigília nocturna. A luz entrou à velocidade do lento içar da persiana, párpado mecânico de abertura lenta e seco de lágrimas, protector de luz mas não de olhar. Já acordado anteriormente pelas indelicadas auxiliares, embrutecidas pelo tempo e a dor alheia, fui analisando pormenorizadamente os meus movimentos, os permitidos e os denegados, de forma a sobreviver no novo meio com o mínimo de percalços e o máximo de eficiência. Tomar os medicamentos, digerir o pequeno-almoço e fazer a higiene mal consumada – o mínimo para se sentir limpo –, foram preâmbulos para o início da constante correria de enfermeiras e auxiliares, o arrastar de aparelhos de controlo e medição, urinóis pejados e desprovidos, toalhas ásperas e gastas, lençóis e fronhas lavadas pela milionésima vez, esponjas e saponários… enfim, a quietude agradavelmente corrompida pelas idas e vindas, pelas lavagens e secagens, pelo arrumar e desarrumar dos pacientes autónomos, afinal, a salubridade efémera do enfermo lugar. Os primeiros contactos com os contíguos matalotes neste oceano de moléstias, companheiros de travessia no mar dos infortúnios, já tinham sido estabelecidos no dia anterior, mas à medida que transcorriam as horas, os avisos e conselhos multiplicavam-se na correcta proporção das novidades e interrogantes que me iam aparecendo.
Era véspera do Entrudo e fiquei surpreendido por ver tal movimentação de seres hospitalares coexistindo entre si num incessante corrupio. Médicos eram três só para mim e para o meu vizinho, únicos doentes ortopédicos na ala de ortopedia. Às enfermeiras, enfermeiros e auxiliares perdi-lhes a conta. Ainda temos que contar com cinco ou seis estudantes de enfermagem que procediam às suas práticas. Achei raro, num dia de ponte entre domingo e terça-feira, estar tanta gente a trabalhar neste lusitano lugar com fama de pouca atenção e mínimos meios. Estaria eu equivocado? Estaria tanta gente equivocada? Somente durante o resto da semana percebi que a ponte não foi de domingo para terça-feira mas de terça-feira para domingo. O que nesse dia sobejou escasseou nos restantes. Afinal, ainda estava em Portugal.
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