A chegada à que seria a minha residência provisória, a partir desse momento e durante cinco longos dias, foi pacífica embora atribulada. A passagem da maca para a cama, que a priori deveria ser serena e sem transtornos uma vez que deve ser um procedimento habitual entre os funcionários hospitalares, converteu-se numa odisseia digna de homéricos cometimentos uma vez que, a imobilidade necessária à minha recuperação revestia-se de uma importância decisiva. À dificuldade de impedir movimentos bruscos ou deslocações que pudessem agravar o quadro clínico, foi acrescentado o meu peso e corpulência. Após estudo prévio e discussão em assembleia improvisada pelas senhoras que tinham a seu cargo tal empresa, foi tomada a decisão de utilizar os lençóis da maca para o meu corpo ser levantado e arrastado para o leito onde repousaria até ao final da minha estadia. Empresa inglória para três mulheres de esqualidez visível e musculatura dúbia com mais força de vontade que braçal e que, após várias tentativas inúteis e ingratas para todos os envolvidos, decidiram reorganizar a metodologia que, até lá, se tinha mostrado ineficaz. Quem as tivera observado anteriormente, dificilmente suporia a impetuosidade que colocaram no derradeiro empenho demonstrado, digno de uma voluntariedade só apreciada em quem procura o “El Dorado” convencido da sua iminente proximidade. Teima desnecessária pois, do lado direito da cama, foi tal a fogosidade entregue que, em vez da transição do enfermo, o mais que se conseguiu foi ficar com a mortalha da padiola rasgada a meio e que, se não foi pior e não deu em bate-cu, foi porque o peso que permitiu o rasgo foi o mesmo serviu para agarre da enfermeira ao infortunado lençol. Sem fôlego suficiente para nova tentativa e sem outra solução à vista, tiveram de se conformar e pedir auxílio aos elementos masculinos do turno em curso. Finalmente compreendi a expressão popular dos “três ao burro e o burro no chão”.
Se a duras penas cheguei ao leito, a duras penas consegui uma adaptação rápida à minha nova condição. A primeira diligência tomada foi a análise do perímetro imediato para encontrar soluções que me permitissem obter, sem esforços vãos ou movimentos lesivos, as ferramentas indispensáveis para as minhas necessidades primárias. Quando por fim me encontrei instalado e minimamente seguro das minhas limitações e das minhas idoneidades pude observar o entorno global do quarto onde fui, involuntariamente, instalado.
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