O diagnóstico traduzia uma queda pior do que, a priori, esperava. Uma fractura da quinta vértebra bem visível na radiografia e confirmada na TAC declarava a viva voz que o internamento era inevitável. Assim, durante seis longos dias e cinco intermináveis noites permaneci, num quarto escuro, “verde-gasto” e caducado pelo tempo, no Serviço de Ortopedia do Hospital de São Marcos em Braga.Desde as urgências até à ortopedia a viagem foi longa e fria. Com o tecto como referência fui percorrendo os longos corredores envelhecidos iluminados por armaduras sucessivas que, vistas de baixo, simulavam linhas descontínuas numa aparente estrada celeste somente interrompida pela pausa necessária dos metálicos e limpos elevadores de serviço que nos transportavam aos pisos superiores. Para que fosse completa a atmosfera de frialdade e indiferença, fatalmente própria das unidades de saúde pública, agregaram à arquitectura e ornamentação hospitalar uma personagem que parecia ter sido mudada de época e local: o transportador de maca. Esta figura, que combinava na perfeição com o meio ambiente global, era um sujeito apático e displicente, de cara rubicunda e lúgubre de extremos labiais apontados para o chão, como que obrigados por um íman invisível a quedarem-se eternamente imutáveis. Os seus dentes não eram visíveis, nem quando proferia palavras de pretenso alento perante os lamentos aquando dos encontrões contra os laterais das portas (todas sem excepção) que se foram atravessando no nosso longo caminho. Ou ainda os saltos que a padiola dava nas pequenas lombas que se atravessavam em cada passagem para uma nova galeria ou sala e que eram multiplicados por mil para quem tinha uma fractura vertebral. Quanto maior a queixa, maior o próximo golpe ou o seguinte salto. Não proferia palavra alguma de consolo, não as esperava nem as solicitei, emitia antes risos de menosprezo dissimulados de uma integridade grotesca como a de um dentista que, perante a inevitável dor, nos diz, encobrindo num qualquer lapso labial: “isso não dói nada”.
Cheguei por fim a enfermaria e numa primeira impressão, pareceu-me que a maca onde vim não era mais que um transportador espácio-temporal que me tinha conduzido, sem o ter procurado, a um tempo passado do qual já não tinha memória.
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